Uma gangorra jamais ficará com os dois lados na mesma
posição, a não ser que algo suficientemente forte posicione-se no centro dela e
a equilibre. Caso contrário, sempre haverá um lado em cima e outro lado
embaixo. Essa simples lógica me veio à mente quando com vinte e tantos anos me
distraí juntamente com dois amigos a brincar de subir e descer numa gangorra.
Era uma linda manhã de domingo, inverno de 2013, ainda estava cedo quando deixamos
o hotel e decidimos por passear sem rumo com nosso espírito aventureiro de
turistas pelas ruas de Montevideo. Sem mapas ou guia turístico, seguimos nosso
passeio. Tudo era muito encantador, as folhas secas espalhadas pelas ruas
uniam-se às construções de arquitetura charmosa e preservada e trazia uma
paisagem com ar de Europa. A beleza dos edifícios que estampavam em seus
detalhes vestígios do passado histórico nos enchia os olhos.
O dia estava muito
frio, principalmente pra nós, brasileiros desacostumados com temperaturas tão
baixas. Ventava bastante na capital do Uruguay e logo a chuva fina começou a
cair lentamente; andamos algumas quadras e estávamos diante de prédios antigos
e espaçosos com grandes gramados à frente que beiravam as Ramblas – avenidas
largas e extensas que contornam a costa de Montevideo. Estava pouco movimentada
e assim, atravessamos a avenida de braços abertos sentindo a sensação de
liberdade que o lugar proporcionava.
Já do outro lado estávamos nós na Praça República
Argentina, um espaço amplo, sem muitas árvores, com gramas verdes e macias. Um
paredão de pedras separava a avenida da pequena praia do Rio de la Plata. Ali
havia poucas pessoas, alguns cães brincavam com seus donos na areia e corriam eufóricos
de um lado para outro, na calçada alguns pombos ciscavam distraidamente sem se
importarem com quem ali passava, o horizonte ao mesmo tempo em que distante,
parecia estar muito próximo. Embora que fôssemos bastante familiarizados com
praias, não podíamos deixar de eternizar aquele momento, e assim, cada um com
sua câmera fazia belos registros, com todas as poses e sorrisos, de todos os
ângulos.
Um pouco mais a frente um parque para crianças
completamente ausente de pequenos, pareceu nos convidar a brincar. A
simplicidade e aconchego do lugar nos impulsionou a viver por instantes a
beleza da infância, afinal, naquela manhã os brinquedos eram todos nossos. Não
nos incomodou o fato de que talvez alguns ‘adultos’ ririam da situação, até
porque, não conhecíamos ninguém e ninguém nos conhecia. Sem hesitar, nos entregamos à diversão.
O sobe e desce da gangorra não me era novidade, mas as
sensações que ela produz sempre são novas. Naquele dia, enquanto eu estava
vezes muito próxima do chão, vezes elevada com os pés no ar, em meios às
risadas me recordei do que havia ouvido no dia anterior, quando juntamente com
um grupo de amigos brasileiros, e jovens de outros países, participava de um
encontro para líderes juvenis na Intendência Municipal de Montevideo. Havia
pastores, músicos e escritores renomados que nos proporcionaram situações e
aprendizagens maravilhosas. Em meio aos momentos de comunhão, alegria e à
atmosfera de adoração que nos envolveu, uma frase, das muitas palavras
produtivas que foram faladas, me despertou a atenção. Quem a disse foi Pastor
Marcos Witt, que durante sua fala divertida e inteligente afirmou: “No te achiques, pero no te engrandes”, isto
é, não te menospreze, não te faças pequeno, mas também não te exaltes não te
engrandeças.
Os ouvintes lá presentes depositaram ainda mais atenção à
fala do pastor e podia-se ouvir jovens afirmando uns aos outros: “no te achiques”, “no te engrandes”. Por um momento, pareceu-me paradoxal, pois
estamos habituados à ótica dos extremos, ou estamos aqui ou lá, em cima ou
embaixo, perto ou longe. Entretanto, logo percebi que Witt referia-se
justamente ao equilíbrio que se deve ter entre um e outro, em como um líder
deve se portar emocional e espiritualmente diante de seu grupo.
Certamente que todos nós em algum momento da vida fomos
liderados por pessoas que se achavam incapazes, viviam acanhados e demonstravam
claramente que sentiam-se inferiores, mas havia também, e sempre há, aqueles
que carregavam uma faixa de super líder, podiam, sabiam e faziam “tudo”, pelo menos 50% da reunião era gasta
por ele para elucidar suas qualidades.Essa é uma realidade constante na vida da
liderança, desde os tempos bíblicos encontramos homens que foram chamados por
Deus para exercer a função de líder e que reagiram de diferentes formas tanto
ao chamado quanto durante o exercício da liderança. Podemos destacar entre
muitos, dois personagens bíblicos jovens que apresentaram reações distintas
quanto ao seu chamado – Jeremias e Sansão.
Jeremias era de uma família de sacerdotes da tribo de
Benjamim da cidade de Anatote (Jr 1.1), ainda muito jovem foi chamado para o ofício
profético, porém não era uma missão qualquer, ele teria de confrontar os
líderes e o povo por causa do pecado, profetizar o exílio de 70 anos na
Babilônia e o retorno dos remanescentes a Judá. Talvez como qualquer outro,
Jeremias relutou diante do novo desafio, pois lhe faltou autoconfiança, se
sentiu sem habilidade e experiência para ser um profeta diante das nações e
chegou a afirmar que não sabia falar, pois era uma criança (Jr 1.6). Mesmo ouvindo a voz
do Senhor dizendo que o havia escolhido e santificado ainda quando estava no
ventre de sua mãe, Jeremias hesitou, deixou que o medo e sua visão de si mesmo
falasse mais alto que o chamado de Deus. Contudo, apesar de no primeiro momento
Jeremias ter se “achicado”, ele
decidiu confiar naquele que o havia escolhido, mesmo ainda duvidoso de seu
potencial, ele acreditou que com a ajuda de Deus poderia exercer o chamado. Durante
seu trabalho, muitas dificuldades lhe sobrevieram, Deus não o livrou das
situações difíceis, dos insultos, das prisões, mas em todo momento esteve com
ele. Dessa forma, Jeremias pôde perceber que apesar de sua fragilidade, era forte,
pôde ter autoconfiança, não num sentido de soberba, mas porque Deus o havia escolhido
e prometeu lhe capacitar.
Sansão por sua vez, nasceu em Zorá, filho de Manoá da
Tribo de Dã. Sua mãe era estéril, mas Deus a escolheu para ser mãe do nazireu
que começaria a livrar Israel da mão dos filisteus. O voto de nazireu feito
pelos pais de Sansão era para toda a vida, e por isso ele não poderia cortar
seu cabelo, tocar num cadáver ou beber bebidas que contivesse álcool (Jz 1-7). Desde muito cedo Sansão sabia de seu
potencial. Era forte, determinado e conquistador, porém deixou que isso
prevalecesse em sua personalidade, deixou de lado seu nazireado para satisfazer
as próprias vontades. Tinha tudo para ser um grande líder,capacidade para
fortalecer sua nação, para acabar com os filisteus, mas vacilou no controle
emocional, não tinha disciplina, nem limites, foi desobediente a princípios e
não atentou aos conselhos de seus pais, se deixou guiar pela compulsividade e
pelo descontrole das emoções. Ainda assim, apesar de tudo, Sansão conseguiu
realizar o propósito anunciado pelo anjo do Senhor antes de seu nascimento. Ele
deu início ao resgate de Israel da mão dos filisteus. Sansão poderia ter feito
muito mais, tinha potencialidades para isso, mas deixou que seu excesso de
autoconfiança lhe impedisse. Teve uma liderança curta e uma morte precoce,
desperdiçou parte de sua vida. Apesar deu seu nome estar na lista dos Heróis da
Fé, muitos lembram dele como alguém que desperdiçou seu potencial.
Atualmente, o quadro continua o mesmo. Dentro das igrejas
encontramos líderes com diferentes perfis, uns que se assemelham ao de
Jeremias, outros ao de Sansão. É comum também, ouvirmos jovens insatisfeitos
com sua liderança, com seu modo de agir diante do grupo e com a forma que
tratam seus liderados. É certo que líder perfeito não existe, até porque a
perfeição na maioria das vezes será vista com relatividade. Agradar a todos é uma tarefa difícil,
trabalhosa, os liderados são jovens com formas de pensar e agir completamente
distintas um dos outros, com opiniões e princípios que muitas vezes colidem
entre si. Todavia, isso tem servido de desculpa da parte de algumas lideranças
para se acomodarem, conformam-se com o que são e não buscam por
aperfeiçoamento. Acreditam que se Deus os escolheu assim, é assim que devem
permanecer. Quem sofre as consequências é todo o grupo, que muitas vezes se
reúne para ouvir um líder que nem se quer acredita em si mesmo, que dirá nos
jovens. Ou um líder que acredita tanto
em si que não sobra espaço para apostar nos jovens.
Um líder que se sente incapaz, dificilmente tomará frente
no seu grupo, prefere estar sentado e deixar que outro se encarregue das
responsabilidades, sempre se vê inútil para exercer alguma atividade, alimenta
constantemente seu complexo de inferioridade e deixa isso evidente aos que
estão ao seu redor. Seus liderados estão sempre buscando motivá-lo, pois
percebem a necessidade disso. O líder sozinho não é capaz de automotivar-se, é
como uma criança mimada que precisa da atenção de todos voltada a ela. Algumas das
características desse tipo de líder são:
- · Pensamentos e emoções negativas
- · Cultivo de pessimismo e fracasso
- · Insegurança quanto ao chamado
- · Vulnerabilidade
- · Falta de persistência
- · Desânimo
Já o líder como excesso de autoestima, sente grande
necessidade de aparecer, gosta de falar, de se impor, mas não costuma parar pra
ouvir. Afirma sempre que poderia estar em qualquer outro lugar ao invés de
estar com os jovens, deixando claro que está onde está apenas porque se acha
capaz e não por querer contribuir para o reino. Seus liderados sentem-se
desestimulados, pois não encontram espaço para trabalharem e quando fazem algo,
temem pela desaprovação de seu superior. Líderes desse tipo, comumente se escondem
atrás de um orgulho doentio, se vangloriam por seus atos constantemente, fazem
disso seu combustível. Características comuns a esses líderes são:
- · Necessidade por destaque
- · Insensibilidade
- · Egocentrismo
- · Realização dos objetivos a qualquer custo
- · Otimismo exagerado
- · Vanglória
O indivíduo que está à frente de uma liderança tem o
poder de influenciar tanto para o bem quanto para o mal. Seus liderados se
espelham nele, imitam seus pensamentos, atitudes e a forma como tratam o
próximo. Se o líder não se preocupar em formar líderes, então seu exercício de
liderança será um fracasso. Se não houver sucessores, o tempo de liderança não
teve validade. É preciso que durante o tempo em que se está à frente de um
grupo, seja feito o trabalho de um garimpeiro, encontrar o ouro em cada pessoa,
o melhor de cada liderado, pois “ninguém é tão comum que não seja
interessante”, todos possuem algo muito proveitoso.
O líder será sempre lembrado pelas atitudes que tomou ante
uma determinada situação, sejam elas louváveis ou não. Cada líder possui uma personalidade,
e isso é o que lhe torna único, o enfoque aqui não é a mudança de personalidade,
mas o aperfeiçoamento de caráter. Se o líder se parece com Jeremias ou Sansão,
se ele se “achica” com frequência ou
em todo tempo se ensoberbece é preciso que encontre o equilíbrio, é preciso que
trabalhe em si aquilo que está atrapalhando seu bom desempenho. Jesus foi o
grande exemplo de liderança e deve ser seguido por todos. Ele foi o único totalmente
equilibrado em todas as situações, suficiente para não se empolgar com os
elogios que recebia, e nem se revoltar com as críticas e perseguições. Teve
equilíbrio para ser humilde e servir sem se sentir incapaz, em nenhum momento
sentiu-se grande e poderoso, mesmo sendo grande e poderoso.
Cássia de Oliveira
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