quarta-feira, 17 de julho de 2013

Esqueça o Café...

                 Já ouvi que amizade é igual café, uma vez fria, jamais volta ao sabor original.


Você cresceu fazendo parte de uma igreja, frequentando cultos e carregando uma bíblia, começa com a Bíblia da garotada, O Novo Testamento em Quadrinhos,  passa pela Bíblia dos Adolescentes, Jovens, Aplicação Pessoal e por aí vai... Você conhece, ou conheceu  Jair Pires, Sandrinha, Oséias de Paula, Polo Negrete, Matos Nascimento, essa turma toda... Consegue lembrar como se fosse hoje o frio na espinha de subir num púlpito pela primeira vez, pegar um microfone e sentir a pressão de saber que todos esperam você falar ou cantar alguma coisa... Você estudou praticamente todas as edições de lições bíblicas da CPAD na Escola Bíblia Dominical, isto é, mais ou menos 90% das manhãs de domingo da sua vida até hoje, você aprendeu coisas incríveis... Seus olhos brilhavam quando viam os mensalmente recebidos copinhos com suco de uva distribuídos para os “grandes”, não era um dia qualquer, era o sábado mais esperado, o dia da melhor roupa e da mesa enfeitada com pães e uvas... certamente você não via a hora de começar a trabalhar pra poder dar o dízimo e a oferta, nem que fosse descascando camarão, ou ajudando um priminho com as tarefas da escola... Você entende o quanto é confortável dormir embaixo de um banco, ou pode lembrar a tristeza de ter seu chiclete Big Big de tuti-fruti  ainda docinho recolhido por um porteiro... Você perdeu as contas de quantos congressos participou e só as fiéis recordações fotográficas poderão revelar a variedade de uniformes, de tudo que é cor e modelo que você  já usou... Desde cedo, você era estimulado a descobrir seu dom natural, recitando os famosos versinhos de natal, fazendo coleta, cantando hinos da harpa, lendo o “Título da Lição” ou o “Para Memorizar”, fazendo coreografias, ou os incríveis jograis, representando praticamente todos os personagens da bíblia, desde anjinhos, Mirian irmã de Moisés,  mulher de Jó  até a Maria mãe de Jesus... Você sabe o que é acordar pela madrugada no inverno, pegar a bike toda velha e ir pra igreja orar porque, mesmo sem entender direito, você sentia necessidade disso... Você sabe a maravilhosa sensação que se tem ao presenciar milagres... Você consegue lembrar-se da ansiedade que tinha por ser batizado pelo Espírito Santo e nas águas... Você nem sabe como é deitar sem dobrar os joelhos, ou  “dobrar os joelhos  deitado” e no mínimo dizer:  “Em paz me deitarei e dormirei, porque só tu Senhor me faz habitar em segurança” Salmos 4.8...
Em meio a tudo isso, chega um momento,  em que você se considera um cristão, afinal filho de peixe, peixinho é.  Aí você vive fases, vezes rebelde, vezes S.S.S. (Super Santo Santíssimo), vezes cá, vezes lá... Chega um momento que você procura por novas emoções e dependendo de onde você procura, elas nem sempre são agradáveis. Até então você não entende direito como funciona a trindade Deus, Jesus e Espírito Santo e tem uma visão limitadíssima de salvação; sabe da existência do céu e do inferno, mas escatologia não é seu forte.
De repente você lembra que não aceitou a Jesus como seu salvador, até porque “nasceu na igreja”, e acabou esquecendo esse importante detalhe. Você o mais rápido decide por aceitá-lo e aí: Bem vindo às novas emoções! Realmente é tudo muito mais emocionante, as coisas fazem mais sentido e você sente a valiosa importância de um relacionamento. Você começa a conhecer a pessoa do Espírito Santo e que ele não serve só pra batizar as pessoas, mas que Ele é seu melhor amigo. Você desenvolve um vínculo tão forte que alguns julgam ser loucura, porém você sabe que não é. Você reconhece com muito mais veemência que Deus não é apenas uma força superior como alguns dizem, mas é o seu criador e é pra ele e por ele que você vive. Você sabe o que é ser livre e ter uma felicidade inenarrável, mesmo quando as coisas não vão muito bem. Você não se importa de estar sozinho, porque na verdade, você sabe que nunca está sozinho.
Depois de um tempo, isso se torna comum pra você, você não ignora, mas também não dá tanta atenção, até porque você nunca esteve preso, então se acostumou à sensação da liberdade. Você sabe que o Espírito Santo, seu melhor amigo, sempre estará ali, então conclui que não precisa se aproximar com tanta frequência. Você segue sua rotina diária, estudos, trabalho, passeios, compras, sol, chuva, frio, calor... e de repente, numa noite qualquer você percebe que a amizade com o melhor amigo está fria e aí  o café logo vem à mente. Na verdade, você já vinha observando há um tempo, mas com receio de não voltar ao sabor original, você nem tenta algo. Navegando por redes sociais, você se depara com declarações, vídeos, versículos ou um simples convite para um culto e aí você (novamente) cai na real de que isso tudo não é por acaso, em minutos você é preenchido por uma alegria indescritível, você consegue ver cruz, sangue, sacrifício, perdão, amor incondicional, liberdade, vidas com propósitos, você vê Deus. As lágrimas são inevitáveis, você sabe que está com saudades de algo, mas o café não sai da sua cabeça. Você para pra refletir, percebe que essa saudade está cada vez maior, cada vez mais forte. Você começa a lembrar de seus erros, suas limitações, suas tentativas frustradas de ser alguém melhor. O sentimento de saudade e culpa se misturam e você simplesmente se vê perdido, sem saber qual decisão tomar, que caminho seguir. A sensação é der ter sido tomado pelo desespero, e então em meio a isso tudo, você consegue perceber que ele está ali, você pode sentir a presença dele e sua suave voz dizendo:
 “ Esqueça o café, você pode até deixar esfriar algumas vezes, mas sempre que desejar, terá o sabor original, porque nosso relacionamento é mais que amizade, é uma necessidade da alma”.

Cássia de Oliveira

4 comentários:

  1. Caraca menina, que inspiração foi essa?!

    Vi minha vida infante até na metade desse texto.

    E o resto. . Bom, só quem vive isso sabe.

    Demais Cassia. Demais.

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  2. Fui criado na igreja, parte da minha vida resumida neste texto. Nostalgia de algumas coisas, mas enfim parabéns pelo belo texto.

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